Aldous Huxley foi um dos pensadores mais inquietos e provocadores do século XX.
Escritor, ensaísta e observador atento da sociedade moderna, ele antecipou discussões que hoje fazem parte do nosso cotidiano: tecnologia, controle social, condicionamento psicológico e a fragilidade da liberdade individual.
Em Admirável Mundo Novo, sua obra mais conhecida, Huxley imaginou uma sociedade aparentemente perfeita, sustentada por prazer artificial, consumo constante e manipulação das mentes. Embora escrita em 1932, a crítica permanece atual: um alerta sobre os perigos de transformar o ser humano em peça de engrenagem.
Huxley também explorou espiritualidade, ciência, linguagem e consciência, sempre buscando entender o que faz de nós verdadeiramente humanos.
Seu pensamento continua ecoando como convite à reflexão em um mundo cada vez mais acelerado e tecnológico.
Leia um trecho do “Admirável mundo novo”. Vale muito a pena tanto a leitura, quanto a reflexão:
INFANTÁRIOS SALAS DE CONDICIONAMENTO NEOPAVLOVIANO
dizia a placa indicadora.
O Director abriu uma porta. Encontraram-se numa sala vazia, vasta, clara e cheia
de sol, pois toda a parede do lado sul apenas se compunha de uma enorme
janela. Uma meia dúzia de enfermeiras, vestidas com as calças e os casacos
regulamentares de pano de viscose branco, os cabelos assepticamente ocultos em
gorros brancos, estavam ocupadas em dispor no chão, numa longa fila que ia de
um extremo ao outro da sala, vários vasos de rosas. Grandes vasos com muitas
flores. Milhares de pétalas, completamente desabrochadas e de uma suavidade
de seda, semelhantes às faces de inúmeros e pequenos querubins, mas de
querubins que, nessa luz brilhante, não eram exclusivamente róseos e arianos,
mas também luminosamente chineses e mexicanos apopléticos por terem
soprado em demasia nas trombetas celestes, e ainda outros pálidos como a
morte, pálidos como a brancura póstuma do mármore.
As enfermeiras perfilaram-se à entrada do D. I. C.- Coloquem os livros – disse ele secamente. Silenciosamente, as enfermeiras obedeceram à ordem.
Entre os vasos de rosas, os livros foram cuidadosamente dispostos, uma fila de
“in quarto” infantis, abertos de maneira tentadora, com imagens alegremente
coloridas de animais, peixes ou aves.- Agora façam entrar as crianças. Elas saíram rapidamente da sala e voltaram a
entrar ao fim de um minuto ou dois, empurrando cada uma um carrinho onde,
em cada uma das suas quatro prateleiras de tela metálica,
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vinha um bebé de oito meses, todos exactamente iguais – um grupo Bokanovsky,
era evidente -, e todos, pois pertenciam à casta Delta, vestidos de cor de caqui.- Ponham-nos no chão. As crianças foram tiradas dos carros.
- Agora voltem-nos de maneira que possam ver as flores e os livros.
Voltados, os bebés calaram-se imediatamente. Depois começaram a gatinhar em direcção a essas cores brilhantes, a essas formas tão alegres e tão vivas nas
páginas brancas. Enquanto eles se aproximavam, o Sol libertou-se de um eclipse provisório em que tinha sido mantido por uma nuvem. As rosas fulguraram como sob o efeito de uma súbita paixão interna e uma nova e profunda energia pareceu espalhar-se sobre as brilhantes páginas dos livros. Das filas dos bebés elevou-se um murmúrio de excitação, gorjeios e assobios de prazer.
O Director esfregou as mãos.- Excelente! – disse. – Mesmo feito de propósito, não poderia ser melhor.
Os gatinhadores mais rápidos tinham já atingido o seu alvo.O Pequenas mãos se estenderam, incertas, tocando, segurando, desfolhando as rosas transfiguradas, rasgando as páginas iluminadas dos livros. O director esperou que todos estivessem alegremente ocupados. Depois disse:- Observem bem. E, levantando a mão, fez um sinal. A enfermeira-chefe, que se encontrava junto de um quadro de comandos eléctricos, no outro extremo da sala, baixou um pequeno manípulo.
Houve uma violenta explosão. Aguda, cada vez mais aguda, uma sereia apitou.
Campainhas de alarme vibraram, obsidiantes.
As crianças assustaram-se e começaram a berrar. Os seus pequenos rostos
estavam contorcidos de terror.- E agora – gritou o Director (o ruído era de ensurdecer) agora passemos à operação que tem por fim fazer penetrar a lição a fundo por meio de uma ligeira descarga eléctrica.
Agitou de novo a mão e a enfermeira-chefe baixou um Segundo manípulo. Os
gritos das crianças mudaram subitamente de tom. Havia qualquer coisa de
desesperado, quase de demente, nos uivos penetrantes e espasmódicos que então lançavam. Os pequenos corpos contraíam-se e retesavam-se, os membros agitavam-se em movimentos sacudidos, como se fossem puxados por fios invisíveis. - Podemos fazer passar a corrente em toda esta metade do soalho – gritou o
Director, como explicação.- Mas isto chega – disse, fazendo um sinal à enfermeira.
As explosões cessaram, as campainhas calaram-se, o uivo da sereia amorteceu
lentamente até ao silêncio. Os corpos retesados e contraídos distenderam-se, e o que fora soluços e urros de loucos furiosos em potência transformou-se de novo em berros normais de terror vulgar.- Dêem-lhes outra vez os livros e as flores.
As enfermeiras obedeceram. Mas à aproximação das rosas, à simples vista
dessas imagens alegremente coloridas do miau, do cocorocó e do cordeirinho
preto que faz mé-mé, as crianças recuaram com horror. Os berros aumentaram
subitamente de intensidade.- Observem – disse triunfantemente o Director -, observem.
Os livros e os ruídos aterradores, as flores e as Odescargas eléctricas, formavam já no espírito das crianças pares ligados de maneira comprometedora; no fim de duzentas repetições da mesma lição ou de outra semelhante, estariam ligados indissoluvelmente. Aquilo que o homem uniu, a Natureza é impotente para separar.- Eles crescerão com aquilo a que os psicólogos chamam um ódio «instintivo» aos livros e às flores.
Reflexos inalteravelmente condicionados. Nada quererão com a literatura e com a botânica durante toda a vida. – O Director voltou-se para as enfermeiras:
Podem levá-los.
Sempre berrando, os bebés vestidos de caqui foram postos nos seus carrinhos e levados para fora da sala, deixando atrás de si um cheiro a leite azedo e um
repousante silêncio.”
