A escola e seu olhar apaixonado pelo passado
Da escola, diz-se que tem como objetivo transmitir conhecimentos, procurando, desse modo, desenvolver a personalidade e a sociabilidade do indivíduo. Ainda, que deve ajustar-se às demandas da sociedade, articulando-se em sintonia com os compostos culturais do grupo social no qual está inserida.
Da escola, diz-se ainda que tem a missão de formar cidadãos úteis à comunidade, aptos a agir e reagir às exigências do dia-a-dia, prontos a assumir direitos e deveres; enfim, que tem a responsabilidade de formar o caráter das futuras gerações.
No entanto, atentos observamos, espraiamos nosso olhar para horizontes distantes e nada encontramos que se nos apresente como tal.
Já em relação aos conhecimentos, convém discutir; é possível encontrar um ou outro espaço pedagógico em que haja alguma transmissão dos mesmos: escolas públicas modelo, notadamente as de formação técnica; escolas particulares exemplares, com maior prestígio para as de constituição religiosa; cursinhos preparatórios para vestibulares e concursos… contudo, há uma questão que não deve ser ignorada: quanto desse conhecimento transmitido é pertinente?
E faço o mea-culpa; Depois de anos lecionando língua portuguesa, tenho me perguntado com crescente intensidade e constante inquietação qual a real importância, por exemplo, de ter levado compulsoriamente grupos e grupos de alunos a conseguirem determinar, em um período composto, qual das frases se apresentava como uma legítima Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta.
Outro fato: a escola está a ajustar-se realmente às demandas da sociedade?! Essa escola que não esconde seu desconforto, seu desencanto, sua estranheza com os desconcertos do mundo?!
O mundo, como um trem-bala, segue em constante mutação. A escola, não! A escola se mantém perene; distraída em sua fantasia consequente; envolvida pela tradição.
Apegada ao seu legado de verdades imutáveis, à sua fidalguia com um manto de questionável sabedoria, a escola recusa-se a mudar. Como um cachorro bobo, vive a perseguir o próprio rabo e nunca olha para frente; em alguns raros momentos até olha para os lados; mas está normalmente com o olhar fixo e apaixonado no passado.
É o passado que exerce fascínio absoluto sobre a escola: “naquele tempo” em que se aprendia, em que havia disciplina, em que o professor era respeitado etc. etc. etc. Tempo em que as crianças até diziam amém!
No entanto, no presente… Para que têm servido nossas escolas? Para que a sucessão interminável de horas de angústias torturantes em aulas improdutivas? Para que tanto sofrimento de alunos e professores; esses por que não conseguem atingir os resultados pretendidos, aqueles por não encontrarem qualquer nexo entre o que se estuda e o que se vive; ambos por viverem no extremo abismo do tédio?
Temos visto diariamente a prática escolar da isenção de culpas; professores e gestores insistem que a culpa, se há, está sempre do outro lado do muro, sempre do lado de fora. E não raramente é naquele lugar tão distante, chamado família, que se encontram todos os males; meninos e meninas desajustados, sem objetivos nem limites… É sempre ali, na família, que moram os pecados de uma má educação.
Mas o que tem feito a escola, além de lamuriar-se? Tem feito necessária reflexão acerca de seu papel neste incrível século? Tem buscado compreender a complexa dinâmica social que envolve todos os matizes da transformação do humano?!
O humano passa afinal por uma profunda recriação: dos papéis sexuais aos modos de comunicação; dos espaços familiares às relações globais; da compreensão do universo às extraordinárias descobertas nas estruturas moleculares; da mecânica à física quântica; enfim, a gênese se revela.
E a escola?! A escola segue em sua trama de desperdícios sem quaisquer propósitos; a escola inutiliza recursos humanos e materiais; a escola realiza programas de formação e capacitação sem quaisquer nexos, totalmente despropositais; a escola se perde enfim. Como um confuso viajante do tempo, a escola perde o trem da história e fica aprisionada no passado. É necessário, pois, que resgatemos a escola.
Nota: o texto é datado; primeira década deste século. Note-se que o desastre do modelo pedagógico de então (que se mantém nas escolas brasileiras ainda hoje, 2025) está sendo brutalmente massacrado pelas inteligências artificiais, para as quais, por óbvio, nossos professores se encontram totalmente despreparados.